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quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Do meu diálogo com a morte

Que a morte me traga consigo no seu bolso
e que no avesso do meu osso
eu descubra que nada da vida foi em vão

E que a trilha se perpetue no caminho
de um andarilho bem mesquinho
que só pensa em juntar pão

E que da silepse que me busco
do contorno que ilustro
da sina que jaz no chão

da fonte que não se mantém
do intruso que vem do além
do pó, das cinzas e do caixão


— Morte, que traz consigo para dar a mim?
— Nada que você deva temer
— Algo que eu deva agradecer?
— Só se isso te machucar.

E do prisma que atinjo
que de vermelho me pinto
Em cristais de sofreguidão

E do aparelho bucal
aparência mais frugal
De conserto de pilão

— Morte, por que ainda não me levou?
— Você não merece morrer. Minha lança é um prêmio só para aqueles que descobrem sentido de viver.
— Mas, Morte, se eu descobrir não vou querer mais morrer.
— Eu sei.

Do poço em que me afundo
de morrer faço meu submundo
E de viver meu cão

sábado, 22 de novembro de 2008

Declaração de quem sabe amar

Saber amar não é como andar de bicicleta, que se sabe mesmo sem aprender, que se sabe tanto quanto pensar ou responder a uma questão fácil. Saber amar é aprender a fazer rascunho, desenhar cada sentimento em forma de letra escassa, pintar palavras vãs que descrevem sonhos de pesadelos, derramar fonemas sobre os ouvidos de que é amado, gritar versos que nunca foram pensados. Saber amar é sentir o sangue gelar na artéria e congelar o coração enquanto as células ardem em fogo brando, viciante, hipnotizante e declaratório.

Que o amado sinta o mesmo pulso de quem ama, que entre no mesmo compasso que faz os ponteiros do tempo girarem mais rápido que os sentidos. Que o amado trema perante a morte e tenha medo por quem ama, pois o amante supera esse pavor e sorri para confortá-lo de todos os pecados. A morte é boa para quem ama. eterniza o sentimento num quadro cinza de sangue vermelho em que amado e amante são um só, o beijo.

Morrendo

O negro manchava a parede amarela de baixo para cima, se infiltrava nos tijolos e maculava os fios de energia que estavam presentes em alumas partes. A luz ficou negra, o sofá ficou negro, o ar ficou negro.

O menino perdeu as cores, sentou no sofá negro, respirava o ar negro. Pela pele via-se os pulmões encherem-se e esvaziarem-se do ar envenenado pela fumaça que corroía tudo a seu redor e coloria tudo que tocava. Aos poucos o menino absorvia a cor que denotava a morte, e assimilava seu destino junto.

Os olhos do garoto aos poucos ganhavam a cor das paredes e do sofá. Era a mesma cor, a mesma sensação, o mesmo fim. O menino nunca mais iria morrer, estava eternizado. A morte perdeu a batalha.

Amém

Sonhos

Estava presa num lugar que parecia um quarto. Era todo branco e claro. Havia uma cama, um grande espelho que eu desconfio ser uma janela de observação, um relógio de parede antigo e uma saída para ar. O banheiro, fechado durante a madrugada e obsessivamente limpo, tinha duas portas, uma dava para o meu quarto, a outra, para o mundo. Era minha única comunicação e, para meu azar, era também surda e muda.

Não sei quanto tempo fiquei desacordada. Minha última lembrança foi de bater o carro na madrugada de uma sexta-feira contra um poste. Eu havia bebido com amigos e perdido o controle numa curva. Meus ferimentos estavam bem limpos e toda manhã ao meu lado estava dois comprimidos com a indicação "TOME-ME".

A princípio achei que eu estivesse numa ala nova de um hospital, No entanto, as portas trancadas e um gás sonífero exalado toda meia noite não deixavam qualquer dúvida de que eu me tornei uma cobaia de experimentação. O que me exaure dia após dia são minhas lembranças: o que será que aconteceu com meu noivo? Como será que vai meu chefe? O que aconteceu? Essa última dúvida faz meu cérebro se contorcer filosoficamente afim de responder coerentemente essa questão. Já cheguei a beira da loucura achando que eu teria sido abduzida por óvnis, até mesmo cheguei a pensar que fui sequestrada, mas essas são possibilidades não eram passíveis de veracidade.

O que me chamava a atenção era como eu não tinha nenhum contato com outros seres vivos. Notei nesse tempo em que já estou que há um trabalho enorme para que eu não tenha nenhum tipo de comunicação com nada que se mova e seja vivo. Pelo jeito a sala que estou é vedada para áudio, mesmo com a saída na parede, por onde vêm minhas refeições, não consigo escutar nada. Não tenho nenhum contato visual, e acho que sou monitorada 24 horas por dia, porque, certa madrugada que acordei, o banheiro estava trancado e ouvi barulho de esfregões e água corrente. Gritei por socorro, mas de nada adiantou, ou melhor, só percebi outra dose de gás sonífero sair pela saída de ar.

Só o que me consolava eram meus sonhos. Certa noite, sonhei que estava num jardim colhendo flores, de repente eu era criança de novo e havia um parque de diversões enorme na minha frente.. Fui correndo brincar no gira-gira, mas ele começou a se tornar um furacão e, num instante, eu estava no centro dele. Então uma face apareceu sob o furacão e me disse: CORRA. Eu corri, mas passei a andar em círculos e percebi que um exército de coelhos assassinos me perseguiam com adagas e espadas. Consegui chegar ao meu quarto e lá me tranquei. Corri deitar debaixo do meu cobertor e quando dei por mim estava coberta de aranhas, meu cobertor não passava de uma grande teia. Acordei aterrorizada.

Eu perdi a conta dos dias que eu passava lá. Eles eram tão iguais que não fazia diferença se eram um ou dois, mas pareciam semanas e meses. Simplesmente o tempo parou para mim, não havia mais calor ou frio, não havia mais chuva ou sol. Eu me tornei pálida e meus olhos escuros ficaram ainda mais destacados no meu rosto. Usava sempre uma camisola branca. Mas eu não perdi a vaidade. Um dos meus passatempos é de refazer a camisola até ela parecer uma outra roupa. E meu “guarda-roupa” ia ficando a cada dia mais diversificado.

Reparei que estava ficando gorda, reclamei que queria fazer exercícios. No dia seguinte apareceu uma bicicleta ergonométrica. Estranhei o fato. Queria testar melhor. Então passei a reclamar e pedir de tudo. No dia seguinte lá estava a coisa reclamada anteriormente. Era inacreditável. Certa vez resolvi pedir amigos, então uma pessoa, quando eu acordei, dormia numa cama ao lado. Comecei a chorar. Era inacreditável.

Comecei a perguntar a essa pessoa. Quem era, o que havia acontecido, desde quando estava ali. Andréa era como ela se chamava. Tinha dois filhos, estava lá fazia algum tempo e coincidentemente desejou a mesma coisa que eu no dia anterior. Coincidência? Ela tinha por última memória estar no hospital, num quarto e estar sendo anestesiada para fazer uma cirurgia. Quando ela estava só também apareciam dois comprimidos com a mesma indicação. Depois que nos encontramos passou-se a não aparecer mais qualquer comprimido.

Andréa e eu tivemos a mesma idéia. Queríamos conhecer mais gente. Pedimos. Quando o relógio bateu a meia noite ainda estávamos jogando truco, em vez do gás sonífero, a porta do banheiro deu um estalo. Foi então que eu e Andréa não sabíamos o que fazer. Comecei a sentir desespero, uma espécie de agonia. Alguém iria entrar por aquela porta. Não aguentei. Andréa disse que não, que eu devia ficar longe da porta, mas não consegui. Dentro do banheiro havia dois vestidos de festa, um com meu nome e o outro com o de Andréa. Vestimos e eu fui adiante. A outra porta também estava destrancada e eu a abri.

Havia um salão enorme com um bifê. E muitas portas, incontáveis. Imaginei que todas davam para um banheiro que daria para outros quartos em que estariam outras pessoas jogando truco ou vendo TV a cabo. Comecei a gritar. Pouco a pouco as outras portas foram se abrindo desconfiadas, o salão foi enchendo de pessoas como nós. Algumas choravam, outras gritavam.

Eu comecei a entender o que acontecia. Era um mecanismo de reintegração social, mas todas as pessoas tinham que passar por um ritual antes. Mas porquê? E será que eu estava certa? Já havia me enganado antes, mas algo me dizia que desta vez eu estava certa. Talvez fosse o desespero por uma resposta a tudo aquilo, talvez fosse apenas um sonho, talvez eu ainda estivesse na batida, estava sendo socorrida e minha mente divagada pelo que estaria para acontecer e não pelas minhas lembranças. Essa última hipótese me incomodou, e se eu estivesse morrendo enquanto tudo isso acontecia?

Tudo fazia sentido! Não havia frio ou calor, tudo que eu desejava aparecia. A planta do lugar teria que ser redesenhada milhares de vezes para que toda aquela construção fosse verdadeira. De onde teriam surgidas aquelas pessoas? Era tudo fruto de uma mente cansada e debilitada. Eu mesma era fruto. Será que minhas memórias eram minhas? Quando cheguei nesse ponto parei de questionar. Eu tinha que manter uma certeza, eu sou eu e minhas memórias são minhas.

Lembrei da festa. Eu estava agora no centro sendo olhada por todos. Estava nua... meu vestido havia se dissolvido. As pessoas pareciam não me enxergar nem me escutar. Eu tentava contar a elas o que estava acontecendo mas não conseguia. Comecei a chorar, me dava por vencida. Eu não queria continuar ali. Queria voltar ao meu quarto. Quando cheguei lá outra surpresa.

Meu quarto só tinha novamente a cama, o relógio, a saída de ar e o espelho. Tentei voltar para a festa, talvez eu tivesse errado de quarto, mas todos os quartos eram iguais, todos eram o meu, não importa que porta eu tentasse. Me joguei exaurida na cama, não havia nada que eu pudesse fazer, então, lembrei de Andréa, ela talvez poderia me ouvir. Corri de volta para a festa, mas quando saí já não era mais o salão.

Era um local diferente. Tive medo de sair, senti que ia conseguir as respostas que tanto precisava, acabei voltando para o meu quarto. Fui dormir. Quando acordei estava naquele mesmo local. Era também todo branco e claro, mas não havia mais nenhuma porta. Era como se fosse uma jardim inextensível, mas sem flores, apenas um tapete branco. Da névoa surgiu um homem.

O homem veio até mim e me disse: Carol, sei que você tem muitas dúvidas, mas antes eu preciso te mostrar um coisa que tudo se resolverá. Então tudo começou a girar em volta de nós dois. E num instante estávamos num enterro. Eu parei para olhar as pessoas, estava enjoada, queria vomitar, mas não sabia o porquê. Passei a olhar nos rostos das pessoas. Vi meus familiares, meu noivo, todos de luto e chorando muito. Não senti a falta de ninguém, me perguntava quem teria morrido.

Eu fui abduzida? Perguntei a ele. “Não, Carol, olhe mais atentamente que você terá as respostas que busca. Você sabe o que aconteceu, apenas está negando”. A hipótese era muito louca para ser verdade, eu percebi que eu teria que achar a resposta dentro de mim e sozinha. Cheguei perto do meu noivo e ele pareceu me encarar. Dei um abraço forte nele, mas comecei a escorrer. Percebi que eu não posso tocar ninguém. Por quê? “Você sabe o porquê, Carol. Pare de negar e encare os fatos, veja por quem pranteiam e rezam”.

Cheguei perto do túmulo e quase desmaiei. Comecei a gritar e chorar, enlouquecida, enraivecida. Tudo começou a fazer sentido. Era eu que estava ali, mas não era eu porque eu estava aqui. Eu morri? “Sim, Carol, você morreu”. Então, enquanto as respostas vinham na minha cabeça, todas aquelas pessoas, mortas, eu senti que tudo novamente rodava, pobre Andréa, ela tinha dois filhos, cheguei numa sala de jogos onde haviam várias pessoas, a maioria idosos, uma festa para mortos.

Palavras de um escritor

Os sonhos não devem ser sonhados, são apenas letras que servem de apoio para a sanidade não deixar de ser a cura. E que esta seja a cura para nenhum dos males, porque os males são o que fazem as pessoas saberem que não morreram, que seja a cura do sorriso e das lágrimas, para se superar as barreiras intransponíveis e as prisões inescapáveis.

E os pesadelos que se tornaram realidade são apenas avisos da morte para virem a ser abortos de alegrias e da vida. A vida é bela por ser dura e cruel, pois não há nada mais belo que o homem sem remorsos e sem cura.

E que toda palavra que o escritor decifrar se volte contra ele e o asfixie, que o devore piedosamente pedindo perdão por ter sido escrita e por ter sido eleita a melhor de todas. Essa palavra é quente e viva, tem personalidade e sentimentos, e tudo que ela vive e sente é a amargura de existir, de ter sido escrita.

E cada chama reversa clama para ser apagada com ácool do sangue translúcido que corre até o cérebro e destila seu amor em forma de rancor contra quem não foi amado

Que todo escritor saiba que palavras são rancores vermelhos que refletem a personalidade fonética da íris. E elas matam de fora para dentro, como o ácido que se infiltra e corrói os poros. Palavras são apenas sonhos decifrados.

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Humanidade em mim

Às vezes parece que a ausência não é o suficiente, que só o que somos não faz nada durar, que nossas atitudes não se somam para um bem maior, se deturpam e nos ferem, fazem-nos sangrar até a morte, não do corpo, mas da alma. É como a desesperança de não se ter um filho, ou de perdê-lo para a morte. Não é diferente da minha personalidade, nem da sua.

Talvez eu seja só um espírito triste em busca de algo bom para outrem. Mas esse não seria o meu, seria o dele. E talvez esse dia não chegue, apenas se parta para um infinito e que me engula com o desgosto da sina amarga que se faz em pífios segundos. E quando esse dia chegar eu já não serei eu mesma, serei outra que não partirá com a dor que sinto hoje, mas com a dor prolongada de amanhã.

Só então quando chegar a lugar nenhum perceberei que nunca andei para frente, e tão somente para o lado, que andei descrevendo apenas um círculo e que nunca evoluí. Eu só quis um beijo, mas mereci uma punhalada no peito, não só a mereci, mas a tive, a culpa foi minha por querer tamanha bondade de outrem. Mas como poderia não querer a bondade? Sempre é o que esperamos de qualquer um que cruze nosso caminho, mas raramente é o temos, naturalmente temos quase sempre o que merecemos: a humilhação íntima.

E quem sabe alguém me olhe diferente e perceba que sou apenas igual às outras, que não sou única nem diferente, e que por isso não há razão para me tratar assim. Que, quem sabe, eu só mereça uma punhalada a mais para aprender mais e aí então me distinguir, nem pela ferida, mas pela paciência. Que o ser humano é assim, só sabe olhar com a visão de caçador, e esquece que na maioria do tempo é caça.

domingo, 19 de outubro de 2008

Solidão

Descobri o que tanto me angustia e aos poucos me mata, é o fato da realidade sobrepor-se a minha fantasia de estar com alguém. A verdade é que eu, como qualquer ser humano, sou só e estou só.

Apenas um detalhe me difere da maioria humana; consciência. Eu sei que sou só, e me entristeço. Não que minha tristeza me traga piedade, ou faz-me melhorar, no entanto, ao mesmo tempo em que angustia, conforta-me com sua segurança, porque quando temos a felicidade, tememos perdê-la; já, quando temos apenas a nós e nossa tristeza, nada tememos porque já havíamos perdido tudo.

“Chega de saudade”, cantou João Gilberto, entretanto, saudade de quem se somos sós? Da ilusão. O ser humano é iludido na crença da solidão inexistente, ou seja, ele crê estar vinculado uns aos outros. É por isso que todos temem a morte. A morte é o choque da realidade, a morte é solitária. Não é triste apenas para quem já conhecia a solidão, mas para aqueles que a negavam, sim. Estes temem a morte porque só se morre sozinho.

Certa vez um cachorro foi atropelado na frente de casa. Fiquei olhando-o agonizar. O cão esganiçava, contorcia-se, queria se levantar e ir para algum lugar seguro. Da boca o sangue fluía para o asfalto. Não demorou muito que outro carro o matasse. Estava no meio da estrada, já era de madrugada. O motorista descuidado passou por cima de sua cabeça, quebrou o pescoço. E assim foi-se um cão.

Talvez o cão tivesse consciência de que era seu fim, talvez imaginasse um céu cheio de carteiros para perseguir. Talvez, não. Só sei que o cão morreu sozinho. Como qualquer um em seu lugar. Descobri às duras penas que não se pode trocar de lugar com quem está morrendo, nem sequer podemos fazer companhia. Enfim, solidão é só o começo da vida, porque só se percebe que está vivendo quando descobre que não se pode viver por outrem.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Angústia

Angústia é como se chama as variadas sensações de medo, pânico, tristeza, desesperança que giram em torno de si. Angústia é quando se perde o gosto por viver, é quando a morte parece ser não um mero acaso, mas o destino salvador. Angústia é a mais viva das almas que penam por entre os vivos exatamente por não querer viver. É o que mata um espírito, é o que traz consigo a revolução.

Angústia é o que torna o ser humano mais miserável que seu próprio destino, é o que faz de si mais pó que carne, é o que fere com fogo e queima com água. Angústia mata aos poucos, devagar, e dolosamente.

Angústiante é viver assim, sem nada a perder, sem nada a ganhar... angustiante é morrer assim, sem nada a deixar, sem nada a temer. Angustiante é querer assim, querer morrer, desistir e perder. Angustiante é poder assim, sacrificar a alma ou o corpo.

A vida angustia com seu torpe marasmo de sempre, a vida angustia com suas facas voltadas para fora, a vida angustia a alma daqueles que a entendem como sendo apenas uma canção. A vida é que traz a angústia ao coração. expremendo-o até sua ultima gota de sangue virar diamante. Angústia é a mãe das láfrimas que dissolvem a pele e se infiltram no sangue sinestesiando tudo que há por dentro.

domingo, 21 de setembro de 2008

Crônica de alguém que ama

Sente-se o amor completo quando a carne não completa o espírito, este se eleva sozinho e escorre por dentre os dedos desmanchado pelo suor. A pele quente escaldada pelo vapor não esfria com o gélido vento, também o aquece pelos vãos da parede em que fora construído. O vapor de amor consome as entranhas, sangra enquanto dilui o próprio sangue em emplastos misericordiosos.

Amar não dói, ser correspondido, sim. Criam-se expectativas, que serão cumpridas, ou não. Nunca se sabe. Nunca se pode saber. Perde a graça o conhecimento do futuro. Amor é feito de sonhos, fantasias baseadas numa realidade. Corresponder significa acreditar no surreal, ser surreal também, compartilhar do mesmo sonho que é construir uma igual realidade. Corresponder dói porque é compartilhar da dor alheia e dar ao outro suas próprias alegrias; porque é se entregar e perder o controle das próprias pernas; porque é ser envolvido por um torpor que nunca pode acabar.

Nada pior que amar e ser correspondido, começam as obrigações para consigo mesmo. O mesmo fervor ao sentir a água pingar nula nos dias de inverno sente-se quando se ama. Há apenas a diferença entre os tipos de calor. É maldito aquele que ama e é correspondido. Tem que lidar com o coração dele, que é o dela; e deixar que ela cuide do coração dela, que é o dele. É idiota aquele que ama e é correspondido, fica perplexo na mais ínfima demonstração de amor. É humano aquele que ama e é correspondido, (...).

Entre amar ou ser amado, escolha os dois. É como escolher entre o inferno e o céu, queremos a tranqüilidade do céu no pecado do inferno.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Dos aniversários

As pessoas são engraçadas, adoram comemorar seu aniversário, mas nunca querem contar a idade, as velinhas do bolo sempre somam menos do que deveriam. Mas também por que contar a própria idade quando a que importa é a mental? Certo? Mas decerto que as crianças gostam de comemorar aniversário, mais um ano que se passa, mais velhas, esquecem que a idade acompanha responsabilidades. Depois viram adolescentes rebeldes que não entendem que a liberdade adulta é mais presa que a dependência infantil.

Mais que isso, uma garotinha estava a comemorar seu aniversário quando viu que sua mãe havia feito bolo de morango, aquele bolo de morango típico de festas, com muito recheio cremoso, massa “molhadinha”, sabor que explode na boca. A garotinha é claro que ficou feliz, mas teria ela ficado feliz se todo dia comesse aquele mesmo bolo de sobremesa? Por um lado esse bolo é bom demais para qualquer criança comum não gostar, mas toda a simbologia de que o aniversário, que por ser tão raro é especial, seria quebrada. Seria crueldade? Talvez, mas seria real. Esse problema do bolo de aniversário é só mais um problema aberto para profundas discussões filosóficas à respeito do que realmente é especial e vale a pena.

Outro sério problema de aniversário são as bexigas. Para que servem as bexigas? Você gasta todo o seu péssimo fôlego de típico urbano que aspira oxigênio tanto quanto fumaça de ônibus e ainda por cima ele todo é desperdiçado porque o único fim das bexigas é serem estouradas ao final da festa, além de aumentarem a sujeira que deverá ser limpa sempre no dia seguinte ainda por cima todo o seu sacrifício foi desperdiçado.

Voltando ao assunto do aniversário dos quase quarentões, é sempre um martírio ver que sua idade vai se aproximando dos quarenta e você ainda está solteiro(a), pior ainda, você já é casado(a)!! O pior dos aniversários de 36 anos é estar comprometido conjugalmente. Vive simplesmente no limbo intermediário da vida social, afinal, é velho demais parar ir a festas, e é jovem demais para não ir. Ir ou não ir, eis a questão. No final das contas acaba tudo em divórcio e em outro casamento, um mais maduro e mais consciente. Envelhecer juntos, comemorar juntos, chorar juntos, típicas coisas bregas que jamais saem de moda. Ou não, acaba em outro divórcio e uma velhice confortável apostando tostines enquanto jogam pôquer.

Melhor que isso só os aniversários da turma da terceira idade. Comemoram cada um que se passa como se fosse o último, mesmo porque há uma grande probabilidade que realmente seja, afinal a artrite piora a cada mês, e a cada check-up é uma nova doença. Houve um caso do velhinho que pegou caxumba, o pobre coitado já jazia em seus 84 anos e ainda assim pegou a caxumba de seu bisneto de sete anos. Ele achou que era uma nova papada que havia ali, e nem sequer resolveu procurar os médicos, afinal, por que procuraria um médico só porque sua papada inchou? No entanto, a papada diminuiu. Normal! Devia ser apenas líquido retido, ou o barbeiro deixara inflamar sua garganta por um serviço mal feito. A velha que ficou contente quando, sem querer, foi ao banheiro pegar papel para assoar o nariz e viu o marido tomar banho, com aquelas bolas enormes. No mesmo dia foi à Sexy Girls, uma loja de lingeries, comprei um corpete vermelho tamanho EXTRAGG, e foi para casa fazer a surpresa para o velho, na mesma hora o homem percebeu que devia estar doente. Eles se divorciaram três meses depois, e ela casou de novo com um senhor de 77 anos.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Solitário

Como um coração solitário pode, sem mais angústias, sentir-se aquecido por um outro qualquer, ainda sente-se que, por mais juntos que estejamos, ainda somos nós mesmos, e não passamos de uma metade incompleta que espera encontrar-se consigo mesma. Ainda que na verdade saibamos que nada somos de real, temos a esperança de crer numa espécie de metafísica inverdadeira que nos transpassa como a uma coração laminado pela dor. Sempre e sempre sentimos-nos guiar pelas ruas das incertezas duradouras que mesclam os tijolos do caminho com pó de ouro e confete, espalhando as raivas e transbordando as tristezas para caber dentro de si todas as alegrias que a vida há de nos proporcionar.

O dedilhado de um coração solitário é uma sonata em dó maior, conta a história de um átrio e um ventrículo que se conheceram e se amaram; desaguando pingos de luzes para todas as partes, fundindo-se num só órgão e canção, cuja voz doce e delicada desafina a cada sístole mais forte e vibrante que percorre todo o peito. Entretanto a solidão não faz apenas sentir a companhia de si mesma, faz sentir a companhia do outro também, tal como a abstinência de todos os sentimentos possíveis e plausíveis de se ter um relacionamento que não seja monopessoal. Não seja a solidão solitária em si mesma, solidão é a companhia do surreal monofisista para alguém que a realidade é dura demais para suportá-la.

Solidão não é pura e simplesmente estar sozinho, é muito mais profundo que isso, porque às vezes não basta a companhia de cem amigos para tirar-lhe a solidão de si; às vezes, e só às vezes, apenas um coração mais solitário que si mesmo pode se tirar da solidão. Pobre do coração solitário, só ele sabe das dores de se ter uma companhia, um amor; só ele sabe dos medos de magoar e ser magoado, mal sabe o coração solitário que a dor de se ter uma mão para pegar é a dor mais feliz do mundo

sábado, 9 de agosto de 2008

Lágrimas são inflamáveis

Às vezes a lembrança não passa de uma chaga que arde queimando tudo que há por dentro. Lembranças são inflamáveis e sempre queimam começando pelo oposto. Iniciam pelo teu cérebro, devoram tudo que sobrou de sua sanidade racional deixando-lhe à mercê de seu emocional. E você chora, ri, volta a chorar; mas sempre lembra. Lembrar é viver, não! Lembrar é reviver, é renascer, é querer morrer, é comemorar por estar vivo, é chorar de saudades, é querer voltar no tempo e fazer tudo diferentemente igual.

Lembranças são um fardo que todo ser vivo carrega consigo. São fatos unilaterais marcados a ferro em no peito milimetricamente esquartejados por uma sádica divindade que tudo diz prever e acontecer.

Muitos dizem que a saída é esquecer, esquecer de sentir a dor, esconder a dor da vista, sim. Mas a dor se cala por pífios instantes antes de gritar desesperadamente por atenção, nisso é espancada até aprender que não deve se manifestar. Mas a dor é vingativa, espera um momento de fragilidade do ser para se libertar e pedir socorro. Melhor é deixar a dor livre, senti-la, compartilhá-la, movê-la e entendê-la. Sabe-se lá que coisas ela é capaz para libertar-se, melhor é ser amigo dela, enamorado dela.

Dor é a lembrança mais sublime que se pode ter. É quando se alcança a paz interna e a dor não mais traz consigo qualquer sofrimento. Lembranças dolorosas são as mais gostosas de ter, são elas que mexem com o coração, aquecem o sangue e deixam os olhos felizes. Lembrar da dor é lembrar de si próprio, lembrar do próximo.

domingo, 20 de julho de 2008

Saúde é uma droga

A pior notícia que se pode receber de um médico é que você está bem. Então tudo deixa de fazer sentido, nada mais existe, seus sintomas são meras alucinações de uma mente extravagantemente cansada, uma forma de seu estresse clamar por socorro. Ou isso, ou na verdade se tem uma nova doença ainda desconhecida e que provavelmente não tem cura. Contudo, a hipótese de conseguir se recuperar sozinho é meramente ilustrativa, como bem sabem os brasileiros; numa nação em que a automedicação se faz um costume quase sagrado é difícil alguém visitar o médico quando não se é para dar parabéns pelo aniversário. Isto sem falar que essa notícia impede que o cidadão consiga seu atestado médico para poder ter uma semaninha de folga sem precisar descontar das férias. No entanto a notícia de que se tem algo, independentemente da gravidade, basta ter um nome feio e ininteligível por um cérebro mediano, causa o maior dos alvoroços. Não deveria, oras, não se vai ao médico para se saber o que se tem? Ótimo, você alcançou seu objetivo. Agora resta saber o procedimento da cura e pronto, problema resolvido e ainda dá para ir ao churrasco do vizinho.

Médicos são criaturas completamente desprovidas de compaixão. Devem ser sádicos que têm suas necessidades satisfeitas ao ver o rosto de terceiros se distorcerem convulsionamente ao receberem a notícia de que têm pressão alta e nunca mais poderão saborear aquele torresminho às quartas. Sempre detestei médicos, a melhor notícia que ouvi da boca deles foi que eu precisava de um psiquiatra. Nunca fui ao psiquiatra, este deve ser o pior de todos, além de não nos trazer à realidade medíocre e cruel em que vivemos sem razão de ser, ainda nos diz que ela é uma invencionice de uma mente desfigurada e doentia.

Piores que os médicos só seus pacientes. Há vários tipos deles: o dependente, este quer receita para tudo e todos, não acredita na homeopatia ou curas alternativas, é altamente farmacológico, e, quando vai comprar a casa própria, a primeira coisa a se pensar é se o pronto-socorro fica a mais de dois quarteirões e, mesmo quando não fica, passa as horas vagas traçando planos de fuga para o pronto socorro nos mais diversos horários: tudo para que se chegue com segurança e rapidez. Há também os saudáveis, estes são tão detestados pelos médicos quanto os dependentes. Os saudáveis o são apenas em sua mente, apesar da febre de 40 graus, apesar do sangramento intestinal recusam qualquer recurso da medicina moderna alegando que está bem ou, quando realmente estiver passando mal, que aquele chazinho que sua avozinha costumava tomar vai o curar; com estes os médicos tem trabalho dobrado, não basta curá-los, tem de convencê-los de que precisam ser curados, e haja retórica! Os menos detestados pela sociedade médica são os conformistas, eles vão ao hospital como último recurso, não questionam o tratamento e cumprem tudo à risca, a culpa por ter tomado o xarope que o filho do farmacêutico dera dias antes é tão grande que eles não se sentem nem no direito de perguntar se vão ficar bem, apenas esperam que sim. E, por fim, há os realistas. Estes sabem que nada de que sentem é fruto de seu psicológico, sabem o que os medicamentos fazem em seu organismo e não basta a eles saber o nome da doença, querem tudo: como se adquire, se ela evolue, o que fazer, o que terão de deixar de comer. Os realistas sabem que não devem se automedicar, altamente calculista e frios, eles sabem que médicos, como seres humanos soberbos, são passíveis de erros. Realistas não vêem sentido no tratamento que salva sua vida tirando a própria vida, como é o caso da proibição daquele torresminho às quartas: “Oras, se eu comer eu morro, se eu não comer eu também morro, então...”.

terça-feira, 1 de julho de 2008

Um pouco

Os cacos de vidro esparramados pelo chão lembram um pouco a minha vida. Toda trincada e estilhaça. Separada em cacos pelo chão do destino. Pisada, varrida e por fim, no lixo. Os cacos de vidro esparramados pelo chão lembram um pouco a minha vida. Que se quebrou inteira e se mostrou partida quando o meu era só meu apesar de ter dado a você. Os cacos de vidro no chão já formaram, um dia, algo uno, que já não o é mais. Um dia, um pouco de vidro caiu e rebentou numa cachoeira de vidros, menores e menores. Um pouco de vidro é o que resta ao final, para ser varrido e posto no lixo.

Minha vida também lembra um pouco a sua, um pouco de morte em contraste comigo; um pouco de sabor em contraste ao cinza; um pouco de barreiras em contraste a sonhos. Eu que sempre tive um pouco de insossa, de chata e de pedante. Um pouco de tudo e sempre um nada. Sempre minha vida foi pouco grande e muito medíocre, pouco de aventura e muito de rotina. Um pouco avessa aos valores sociais, mas só um pouco, só o que me basta. Sempre quis um pouco de tudo, e sempre tive pouco ou nada.

Um pouco de nada é o que faz tudo. Um pouco de não-paranóia com um pouco de não-preocupação é o que dá gosto na sopa. Afinal, é melhor ter um pouco de não-tédio do que passar a vida procurando por uma felicidade inóspita.

Todas as pessoas dizem que são um pouco. Um pouco de tudo, de marceneiro, carpinteiro, ferreiro, ferrenhas, ferradas. As pessoas dizem: de louco todo mundo tem um pouco. Mas a verdade é que o normal é uma utopia criada pelo homem para se sentir menos distinto dos demais; e a verdade é que de normal ninguém tem um pouco. De bruxas e cavanhaques que entremeiam meus sonhos cavaleirescos ainda há um pouco de sanidade, o que me torna mais insana do que realmente sou. Mas o caso é que sempre estou e sempre posso mudar, mudar um pouco, mas que baste para tanger outros horizontes.

Ainda pouco é o que penso ou que o que deixo de sentir. Pouco, sempre é tudo pouco e mirrado nos corações e mentes humanos, conforme se abatem os pássaros mais altivos das montanhas para que se estabaquem nos vidros da realidade. Pouco é o sangue que percorre a cabeça, pouco é o sal que salga o mar, pouca é a morte em relação à vida, pouco é o céu que enjaula o ar. O universo é pouco, o calor do sol é pouco, o homem é pouco.

O pouco é uma palavra pouca, de poucas letras, poucos significados, no entanto, de muitas ilusões. Sempre gostei da palavra pouco, sempre quis pouco. Pouca tristeza, pouca mágoa, pouca raiva, poucos amigos verdadeiros, poucas alegrias intensas, escrever poucos textos bons. Algumas coisas me foram poucas, outras me foram fartas... mas acabo por lembrar sempre das poucas, são elas as que marcam, que ferem, que alegram. O pouco sempre é o suficiente, talvez a humanidade seja insatisfeita por sempre desejar o bastante, nunca o pouco.

domingo, 29 de junho de 2008

A dor

Prostrada num cantinho da sala, as lágrimas escorriam grossas e volumosas de meus olhos. Sabia que ele nunca mais voltaria, não do lugar para onde ele foi. O corpinho inerte ainda quente em meus braços perdera qualquer movimento que faria qualquer mãe ainda ter um suspiro de ansiedade e esperança. Mas ele já não mais estava ali, sua presença não passava de mera imaginação ou talvez realmente existisse. O caso é que ele se foi. E eu, bem, eu continuaria aqui por mais algum tempo.

Os meses que antecederam foram os piores da minha vida, noites e noites soluçando por ouvir aquela tosse seca e baixinha que vinha de perto, que vinha dele. Uma dessas, ele veio na minha cama, pedindo socorro, e eu nada podia fazer. Essa sensação de impotência que era a pior de todas. Noites e noites pedi que os anjos o levassem de mim, sem dor. E sonhava, sonhava em poder trocar de lugar com ele, sacrificar-me em seu lugar. Quisera eu que um demônio ofertasse a vida dele em troca da minha alma, a venderia no primeiro instante para não ter perigo de pensar.

O dia que ele morreu foi o pior, por um lado eu não queria me separar do meu amor, mas por outro, vê-lo sofrer me angustiava e me fazia sofrer também. O corpinho inerte dele em meus braços não me saía das lembranças, como também me impregnou todos os momentos bons de nós dois juntos. Por um instante achei que ficaria à mercê, abandonada e sozinha, mas seu espírito sempre esteve comigo. E por mais breve que tenha sido sua presença, as lágrimas grossas e salgadas ganharam um outro sabor, de saudades e foi assim que um sorriso brotou no meu rosto. Quando a angústia se tornou alívio e a ausência se tornou presença, eu vivi, renasci.

domingo, 22 de junho de 2008

Crônica

Amo. É a mais pura verdade, que nem a morte acabou com meu amor. Só fez aumentar as saudades e os choros. Afinal, que é a morte perante o amor? Apenas um pequeno detalhe perante tanta magnitude. O fim material nunca será suficiente para declarar o fim espiritual; ainda que me caiba sonhar em vão com sua volta.
Nada mais me satisfaria do que vê-lo feliz e bem, mesmo que isso custe a minha felicidade e a minha saúde, porque o amor puro é assim: é o bem-querer acima de tudo, é a falta total e completa de qualquer sentimento de posse, é o altruísmo elevado em seu grau máximo, é a felicidade própria baseada na felicidade do outro, é uma mais-que-amizade, tão verdadeira e tão oposta quanto possa ser.
Faria tudo de novo, daria minha vida caso fosse possível, tão somente para ganhar outro riso inocente. Tudo, mas absolutamente, tudo que fiz foi pensando em você, no seu bem-estar e na sua felicidade. Ainda que sua ausência me estraçalhe a alma como um espelho atirado ao chão, sinto-me inteira por sua vida não ter sido em vão. Ainda que minhas lágrimas sejam insuficientes para fazer-lhe aquecer meu espírito gelado de dor, pranteio sua ausência como que para expurgar meu amor.
Sinto-o tanto quanto é possível, pego-lhe em sonho, no meu colo e o abraço tão forte como se o mundo fosse acabar. Minha vida ganhou outro sentido, o de honrar seu nome e fazer-me feliz como sei que gostaria, o de reconhecer-lhe em meu rosto a cada relance no espelho, o de sentir-lhe perto e quente como dantes.
Amo. É a mais pura verdade, que nem a morte acabou com meu amor. Só fez aumentar as alegrias e os risos. Afinal, que é a morte perante o amor? Apenas um pequeno detalhe perante tanta magnitude. O fim material nunca será suficiente para declarar o fim espiritual; ainda que eu sinta eternamente sua presença.

domingo, 18 de maio de 2008

O viver do homem

Quanto medíocre é o homem.... todo em seu universo com sua utópica onipotência sentindo-se no topo de sua magnitude. Sim, o homem está no topo... da arrogância, do egocentrismo. O homem é egoísta, e nada mais pode ser pior que isto. O homem de tão egoísta sofre, entretanto o homem gosta de sofrer, sente paixão pelo sofrimento. O homem ama a dor. Tanto mais dolorosa a vida, mais intensa e apaixonante foi. O homem não busca a felicidade, nunca buscou; e sim, suas chagas... suas fendas exteriores. O homem ama sofrer... tanto que tem medo de morrer por não saber se seu sofrimento continuará; acaba sofrendo por morrer... se submetendo aos mais asquerosos atos para não deixar de viver e, conseqüentemente, sofrer.


O homem é o ser que mais ama a vida, o menos inconformado. É claro, que há os realistas... estes se suicidam na primeira oportunidade. Há aqueles que julgam não sofrerem: falácias da vida moderna. Outros julgam sofrerem mais, apenas incompreendidos que não sabem ser o sofrimento igual a todos. Sim, igual, como não haveria de ser? Alguns sofrem mais pela morte de seu cachorro que pela doença degenerativa de seu tio, então, para estes, o cachorro morreu e seu tio permanece. Há também os mais medíocres, aqueles que têm consciência de seu sofrimento e mesmo assim são alegres, felizes, não. Ninguém é feliz; posso provar, não existe felicidade nesse mundo, pois esta foi completamente devorada pela ambição.

Hei de terminar minhas mágoas com a realidade que não inventei por aqui... antes que eu deixe de ser medíocre, caia na realidade e esta se torne uma obra póstuma.

Eu

Nada parece que me satisfaz. Eu poderia dizer que tudo está errado, mas a verdade é que eu sinto errado. Eu sinto uma insatisfação que me traz angústia até o último fio de vida, se isto for possível. O caos domina minha mente como o sal domina o mar, perdura em qualquer parte, mesmo mínima e indivisível... e o salga. Meu ser, salgado de caos, decodifica o mundo em nanosinestesias que se aglomeram tumultuadamente numa cabeça agrilhoada por lembranças axiológicas. Minha razão se desfez em lágrimas cuja finalidade desconheço, apenas sinto.

O mundo me subtrai de sua órbita me arremessando para a estratosfera. E de lá miro minha insignificância perante o tempo-espaço que corrompe toda uma história de sangue e lanças; e percebo minha raridade em ver o que devia ser vendado, e o é aos olhos da massa medíocre. Sorte? Eu diria que não, às vezes é melhor ser medíocre e aceitar tudo com naturalidade a sentir-se pingando eternamente como uma clepsidra; no entanto, entregar-se à alienação não é a solução, e não me fará deixar de sentir o mundo.

Minha pífia presença não me permite curar as feridas que tenho abertas. E, mesmo que permitisse, não as ia querer curá-las, seria a extirpação da minha única sensibilidade ao mundo, mesmo que esta seja causa de dor.

Minha insatisfação, descubro agora, verte da inesperança de ter qualquer esperança algum dia; e o tempo-espaço me molda como areia ao vento molda a montanha, mas eu não sou montanha, sou mármore corroído pela acidez de uma chuva salgada de caos

sábado, 10 de maio de 2008

Crônica da Separação

Às vezes a vida é o que não parecia dever ser. E nos acomodamos de tal forma que não percebemos que ela passa e leva embora nossos sonhos, nossas alegrias. Nisso formam-se chagas incuráveis que hão de sangrar eternamente mesmo que a dor do punhal perfurando as entranhas passe. E o sangue, mais rubro que o próprio sol, corrói a pele pelos poros até que a própria pele se torne sangue, um sangue incolor e salgado que deságua em forma de amor até o coração.

Às vezes a vida leva o que nos era de melhor para um mundo oblíquo, e o rastro desse arrastar de ponteiros e passos fica cravado a ferro na nossa mente, para jamais ser esquecido, apesar de nunca ser lembrado. E o nosso melhor deixa o vazio em seu lugar, e este toma forma e corpo, aumenta de densidade e vai se apoderando do todo; e quando chega nas lembranças mais ternas e pueris se desfaz, em risos entre prantos, em sorrisos entre lágrimas, em amor em meio a dor.

Às vezes a ausência é o único caminho para a presença; que é quando se sente quando não se há, quando se abre ao se fechar, quando a desfeita vira uma feita transversa. E nesse ponto a única solução é a solidão, para evitar que se fique solitário; então há a evocação... e a partir daí apenas o adeus é benvindo e celebrado, apesar da dor aparente, sua razão é pelo amor, mais puro do que nunca, quando supera a si próprio abraçando o altruísmo egoísta, que é quando o seu melhor para a ser o melhor do outro.

segunda-feira, 14 de abril de 2008

O desescritor

O descritor desescreveu o descrito de um desescritor que desalento descreveu o descritor