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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O jazz do coração

E as batidas do meu coração ressoam como sinos na madrugada gelada, causando calafrios nos ouvintes solitários, causando balbúrdia nas ondas sonoras com as quais cruza. Ouvem-se com perfeição cada toque de hora, mas não é uma hora comum. A minha hora não se reúne em minutos, nem em segundos, mas em risos. E cada hora passa mais rápida ou mais lentamente, a depender da distância entre a tua presença e os meus sentidos.

E como um trem a vapor, segue quase descarrilando, deixando-se torrar pela caldeira quente em que minha linfa se transformou. Apitando próximo às aldeias, chamando teu nome com um assobio forte, quem sabe em qual delas estará?

Segue, Maquinista, segue avante, diz-lhe meu som. Ponha lenha na minha caldeira, deixe-me queimar, deixe o fogo consumir o que restou de mim.

Mera ferrovia, esta é a definição da minha esperança, e as batidas do meu coração seguem soando, trilhos afora, o que espero do futuro. Expectativas devidamente demarcadas entre duas paralelas de ferro, e estas dão a volta ao mundo.

E meus trilhos dourados, assim como os tijolos de Dorothy, levam-me ao destino, levam-se ao acaso, levam-te junto. Seguindo pelos belos campos, subindo montanhas, descendo penhascos, em alta velocidade, e apreciando a paisagem que construímos pingo a pingo, numa linda pintura pontilhista.


E meu coração direciona o som de seu tamborilar, per-seguindo outro trem, que emite outro som, outras batidas de outro coração. 

sábado, 3 de agosto de 2013

As lembranças


Minhas lembranças acumuladas me animam o corpo, forçam meus músculos à contração, à distração e a concentração. Concentro-me em ti, em mim, e no mundo. Concentro-me no ambiente do qual escapo agora, e do qual (ao mesmo tempo) me agarro.

Minhas fibras musculares deslizam com facilidade pelas metáforas que crio, pelas imagens sinestésicas que descrevo, sentindo no cheiro a tua pele, tateando as cores do teu cabelo, observando com calma a tua voz. Meus sentidos se misturam e nada percebo como se tudo fosse.

Traciono minhas memórias tentando infrutiferamente te reconstruir na minha íris, dentro do box do chuveiro, dentro do cheiro do meu sabonete. E eu me arranho, cavo minhas unhas arrancando a derme que me cobre, arrancando os pelos que me eriçam, sou carne e sangue para mostrar. Sou a carne tenra que enche a boca das feras todas as noites, alimento dos lobos selvagens.

É assim que me vê todas as noites, sem pele e com sangue escorrendo. Meus músculos e tendões expostos, meu coração e meu fígado expostos, meus ossos e meus pulmões expostos. É assim que me sirvo aos lobos selvagens, é assim que alimento aos meus.

Foi assim que quis aparecer todas as noites, sem armadura e com lágrimas nos olhos. Meus desejos e vontades expostos, meus sentimentos e emoções expostos, minhas estruturas e fôlego expostos. Foi assim que resolvi encarar o mundo, foi assim que resolvi cuidar de quem amo.

Sou uma marionete, um Pinòcchio desejando ser menino de verdade, mas não tenho cordas. Tenho história, passado e futuro. Meus movimentos foram milimetricamente calculados, e ainda assim saí da rota planejada. Ah, essas marionetes que desejam sem meninas de verdade! Ah, essas marionetes que pensam ter vontade própria e mudam seu destino sem sequer perceber.

E como toda boa poeta inconsequentemente escrevi meu futuro num rascunho de papelão, o qual delicadamente contorci para dentro de uma garrafa e lancei ao mar, na esperança de que alguém a apanhasse e se compadecesse de mim.

E agora, poeta? Responde-me que fará com meu rascunho. Meus olhos se cerram por hoje, mas abrirão e lerão meu papelão de rascunho com calma quando terminar.