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terça-feira, 8 de maio de 2018

Conto de inverno


O sangue congelou nas veias, iniciando a paralisar o ritmo cardíaco daquela alma. Braços estatelados, como rendidos numa cruz, mas sem pecados de outrora. Apenas o frio invadindo a pele, o corpo, o sangue. 

Pernas cruzadas em Lótus, qual flor cristalizada aguardando a eternidade. Rosto sereno em contraste com as emoções. 

Faltava-lhe a alavanca para sair da neve e escapar com vida daquele estado de paz. Os dedos arroxeados já indicavam a falta de tempo para reflexões de cunho decisório. 

A armadura que vestia em vida estava apertada, e a ferrugem já lhe contaminava os pulmões diariamente. Tantas pequenas amarguras, que somadas faziam-se monstruosas. Ou seria monstruoso ele, de tanto desejar sentir-se em paz e completude? Ou seria monstruoso aquele que o ensinou que é correto desejar tudo isso é sentir-se miserável se não alcançar? Quem é o monstro?

Não há mais tempo para reflexões inúteis, o sangue termina seu congelamento, o coração encerra o sofrimento, todo o corpo se paralisa e liberta a alma para penar em paz na neve.