E o meu coração
encontra-se amarrado e eriçado pelas roldanas, as mesmas que prendem meus pés
no chão, quem prendem minha boca com agulhas. Meus movimentos e batimentos
cardíacos delineados por um desenhista antiquado e doloroso fazem dos meus dias
grandes batalhas, e das minhas noites enormes vitórias. Eu venci? O não perder
já é vencer? Talvez nos caiba por hoje fazer uma exceção, e nos considerar
vencedores pelo viver.
Sim, caro
leitor, é um vencedor por viver, afinal a sobrevida já nos é empurrada com
força, a cada desespero por mais um suspiro oxigenado, a cada ânsia por mais
uma gota açucarada do café que nos mantém acordados, a cada parafuso
devidamente apertado nas nossas fábricas de pensamentos. Sim, caro leitor,
sobrevivemos dia após dia agonizando em noites mal dormidas pelas frustrações a
que somos constantemente submetidos.
Hoje minha pele
reluz a acidez da minha língua, e a impiedade de minha mente, sufocando a compaixão
da minha alma pela tua. Hoje não é dia para padecer, caro leitor, hoje é dia
para comemorar. Comemore comigo, ou com teu vizinho. Hoje minhas mãos engasgam
tua cerveja, hoje meus dedos estrangulam teus pesadelos, hoje esmigalho teu pão
sem manteiga para nada oferecer em troca.
Hoje eu pinto
de branco as paredes do meu quarto e aguardo a combinação de sombras e luzes do
sol para preenchê-la com a cor da minha esperança que resta intocada ainda,
creio eu que as paredes do meu quarto se movem a seu bel prazer, aumentando e
diminuindo meu espaço conforme acham necessário, e não conforme meu
conforto. E assim, espremida por todos
os cantos, a minha voz se liberta e permeia os ventos do mundo.
E hoje, minha
voz flutuando pelos sete ventos dos mares, meus dedos apertando a garganta do
meu superego, me sinto vencida pela vida... E hoje, apesar das agulhas que me
costuram os lábios, saboreio o gosto da vitória e finalmente durmo abandonada
pelas frustrações.
Bons sonhos,
caro leitor.