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sábado, 18 de novembro de 2017

Antidepressivo



Sai-se da fábrica aos prantos, construindo todos os dias as mesmas desilusões que serão distribuídas visando a completa nutrição de vaidades, egos e orgulhos. Cimentam-se as emoções e se impermeabilizam as dores, as chagas, os traumas. Não se fica mais triste ou abalado, há drogas para qualquer desconforto e solidão.

Sai-se da fábrica aos prantos, obreiros pranteadores e desolados, desnutridos e mal amados, confiantes em seu ingênuo trabalho de produção medicinal da anestesia, e da felicidade. Medica-se para esquecer como superar, como se frustrar, como se decepcionar, como fracassar, como vencer, como se lembrar, como sair da rotina. Medica-se para rir, festejar, dormir, não dormir, ler mais, render mais, ouvir menos, falar mais, pensar menos, ser menos, individuar menos.

Sai-se da fábrica aos prantos, produzindo-se remédios para serem distribuídos, vendidos e fornecidos em amostras grátis, viciando toda a população em felicidade.

segunda-feira, 6 de março de 2017

Apontando

Há muito tempo construí uma ponte que ligaria meu coração ao teu, para juntos bombear as esperanças de um para o outro, e de outro para um.

Ponte estaiada, mas que nos liga de uma forma pouco convencional mas muito sincera. O oceano de dúvidas, medos e inseguranças que nos sustenta está turvo hoje. Misturado com a borra de café, é possível adivinhar o futuro.

Como arquiteta, ela aponta os lápis e desenha a construção em quadrinhos, prancha a prancha, parafusando as ideias umas nas outras. Como artista, ela criou uma história suave, sem tantos balanços, e um punhado de cachorros para dar estabilidade. Como desenhista, ela escorre água pelas bordas, manchando as cores, mesclando-as com nossas emoções. Como inventora, ela já planejou tudo, toda uma vida, tatuou nossas mãos entrelaçadas.


Os cabelos amarrados na lateral indicam a meninice com que me imagina daqui a quinze anos, sentado numa mesa redonda com um suco natural de melancia, estudando para o vestibular.