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segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O Ferreiro


Coração martelado feito soldado, espremido como laranja, pronto para tomar. Sem conservantes, e disposto em muita brasa, queima queima queima.

Coração embrasado, fumegado e derretido é malhado, enformado e deformado. Coração requentado, assim desentortado, assim fora forjado.

 Coração na bigorna, explodindo em faíscas, clama por Hefesto teu soldador. Coração explosivo, coração invasivo, invadido.

 Coração vermelho, pulsante e derretido, coração doído e derramado, coração coagido e devotado a ti. Coração devorado, mastigado e digerido pelo próprio coração.

Tal qual desenho, o coração se apaixonou pelo ferreiro.

O coração queimado e resfriado pelo Ferreiro, pulsa pulsa pulsa

domingo, 21 de setembro de 2014

Linha da Vida


Talho meus dedos numa peça de madeira comum. Meus dedos nascidos da normalidade esculpidos dolorosamente por histórias, minhas estórias. Meus dedos, com unhas de grafite, escritos por experiências, cujas ranhuras denunciam a idade das amarguras que vivi. 

Minhas mãos delineadoras do futuro escrevem minhas vidências. Minhas mãos são esculturas, são a arte moderna dos meus pressentimentos, são feitas pelos teus pensamentos misturados ao meu imaginário. Minhas mãos pegam na gravura das tuas, e te deixam perto de mim.

Minha mão pega o cinzel e delicadamente desenha minhas digitais, prevendo as frutas que tocarei, os vidros que me cortarão, as lágrimas que enxugarei. Então minha mão usa o cinzel e descreve minhas cicatrizes, contorna os amores e as conquistas, arranca lascas de pele encorpadas de decepções.


Meus dedos quase prontos são observados pela criadora, e são finalmente aprovados. Chega de decidir sobre o destino, chega de criar escolhas, chega de desenhar dedos. 

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Quadro impressionista


Pintei uma paisagem em sua volta, e lá desenhei tudo que eu desejei, um sol pro seu coração, uma grama fofa como as nuvens que piso, algumas árvores para nos deitar na sombra, uma placa indicando uma cachoeira à direita, e a Casa à esquerda, e o nosso cachorro. 

Mas faltava cor em meu quadro, pois minha aquarela estava ressecada demais para ser usada assim, dissecada demais para ser exposta assim, obcecada demais para aceitar ser utilizada assim, seca demais para ser .

Mas você então veio, perfeito da minha perspectiva aérea desenhado cuidadosamente, e a saliva dos teus beijos me permitiram novamente reavivar meu painel de humores, minhas cores e minha vida. Mas você então veio, bamboleando pelo trajeto de tijolos amarelos da minha paisagem, tomando meus pincéis das mãos e escolhendo as cores comigo. Mas você então veio, com seu sorriso amador dos meus traços, com sua técnica amante de preenchimento, tomando os tons do meu coração e levando a minha alma ao quadro. 


Termino minha bela obra de arte em poucos dias, e terminaremos a arte de obrar em alguns anos. La Gioconda!

quarta-feira, 28 de maio de 2014

Pingado

O meu amor pingou,
No teu café,
Aroma do meu suor
 
Eu me faço de leite, esperando ser pingado contigo, embebida aos goles pela sua língua, e saboreada com todo teu prazer pelas suas papilas. Degustada, devorada e deglutida, passo pelo seu sistema digestivo e sou absorvida em escalas no teu corpo. E desta forma, torno-me sua: torno-me a cafeína ligada em seus pensamentos, torno-me o açúcar, torno-me a gordura. Até o momento em que completamente mastigada, reinicio o ciclo.
 
No teu café,
Fiz risos e vapor
Perfumei.
 
O calor da minha fervura e o sabor integral do meu leite combinam com seu aroma arábico. Seu sabor marca a minha boca e lava meus dentes, aguçando meus sentidos, para desejar mais e mais goles da tua poção. Seu café é irresistível, e minha gula, inexorável. Exalo seu perfume no ambiente, e estimo seu gosto no meu gosto. 
Je t'adore

quarta-feira, 23 de abril de 2014

A garrafa

Meu coração foi engarrafado, socado dentro de um vidro de cerveja. Meu coração virou conteúdo de um continente sujo e alcoolizado. Preso pelo recipiente, meu coração dá tímidas batidas pedindo indulto, meu coração dá tímidos gritos pedindo socorro, meu coração dá tímidas lágrimas prendendo o choro. Minha garrafa de cerveja preta não agradou.


Meu coração foi adormentado em meio ao resto preto da garrafa, mas depois ele acordará e se conformará. E meu coração virou drink!

quinta-feira, 10 de abril de 2014

A língua do P

Meu peito apertado espreme minhas artérias.
E minhas artérias exprimem a dor que corre em meu sangue.
Pura expressão da confusão de pensamentos que me subtraem.
E diminuída de sanidade, reduzida ao fardo, sofro.
Sofrimento espremido, exprimido, extirpado e subtraído.

Se da transfusão do sangue que doei nada restou,
Se da minha pressão arterial multiplicam-se as tensões
Se da minha testa pesam todos
Se do caixote em que caibo sufocada não me abrem.

Por hoje sem alívio,

Apenas o sono dos injustos. 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Cri(ativa)


Minha cria deriva de teu nome, minha criação é fruto do teu toque, tenho minha criatividade para te tecer.  Meu amor é uma malha que aquece o ar dos meus pulmões, para te enviar meu calor por meio das nossas bocas. Minha língua faz túnel até a tua, e te eleva ao meu céu.

Eu sou vestida pelo teu corpo,
emaranhado de pelos
e apelos.

Meus cabelos se misturam ao ar. E por meio de minhas provocações, minas insinuações, eu minero teu coração, lavro meu arquipélago de sistema cardíaco e lavo teus pés. Lavo tuas mãos em meu elixir da vida. Lavo teus pés. Lavo teu rosto com minha saliva. Ó meu amor, já era meu tesouro antes mesmo que te cavasse da terra, antes mesmo que soubesse.

E toda sonhadora, eu empino uma pipa, eu empino meus sonhos, eu empino teu rosto... e beijo teu pescoço. E assim, colados em suor, bailamos pelo salão, permito-me seguir teus passos, e me é permitido apoiar teus braços em meus ombros, e nos permitimos amar. Minha mente ativa, cria sonhos e perspectivas, imaginação e transpiração.

Crio ativamente
Sonhos e falas
Minha mente
Ativa, fálica e
Minha ação
Se imaginam contigo sempre
E te querem, e te tateiam e...

E de ação imaginária, e de sonhos criados, e de desejos expostos; eu te elejo minha inspiração.



quinta-feira, 20 de março de 2014

Confissões

Eu confesso minha culpa,
Em sempre achar capivaras expiatórias,
Confesso minha falta de jeito, a da minha visão...
Eu só vejo bodes e cabras,
Não enxergo tuas capivaras.

Confesso ao meu espelho as lágrimas que não permito que escorram em meu rosto, a ilusão que não me é permitida guardar em meu peito. Minhas divagações criaram asas para fugir pela minha janela e criar um sonho paralelo, em razão da ausência da própria realidade. Confesso meu reflexo imperfeito e repelente.

Eu confesso meu nascimento
Meu crescimento

Meu não desenvolvimento
Como imaginado e querido.

Confesso loucamente minha lucidez enquanto que deságuo em meus lençóis, minha hidratação não é reposta com groselhas ou refrigerantes. Minha hidratação não se repõe.

Eu seco,
E ressequida, sou esmigalhada como as folhas secas.
E meus restos são levados ao vento

E assim fico varrida num canto do quintal. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Arrivederci

A tristeza me pegou de jeito hoje. Sinto que aquele desenho de ossos encapuzados criou vida e bate na porta das pessoas, anunciando a brevidade de nossa consciência. E a perpetuidade das minhas memórias... Será que vou sempre me lembrar de ti? 

Eu não tenho lágrimas suficientes para salgar tua carne, e me juntarei aos teus outros amigos no teu processo de mumificação, e poetaremos teus feitos e não-feitos (como se feitos tivessem sido), e te manteremos vivo como a musa de Camões.

Ah, meu amigo. As perdas se acumulam como um punhado de pedras nos meus bolsos enquanto tento atravessar o rio. E a cada braçada me sinto mais pesada e preciso de mais força para seguir.

A dor me é infinita, e hoje me resigno a senti-la vibrante em minhas artérias, perfurando  meus órgãos e cegando meus olhos. Minha visão cega tromba nos mesmos móveis que sempre estiveram no mesmo lugar, e sinto novamente a (in)segurança de que está tudo igual.


As estrelas não me consolam, nem a lua, nem o céu. Nem mesmo o céu. Nos encontraremos um dia, meu caro. 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O meu hoje

E o meu coração encontra-se amarrado e eriçado pelas roldanas, as mesmas que prendem meus pés no chão, quem prendem minha boca com agulhas. Meus movimentos e batimentos cardíacos delineados por um desenhista antiquado e doloroso fazem dos meus dias grandes batalhas, e das minhas noites enormes vitórias. Eu venci? O não perder já é vencer? Talvez nos caiba por hoje fazer uma exceção, e nos considerar vencedores pelo viver.

Sim, caro leitor, é um vencedor por viver, afinal a sobrevida já nos é empurrada com força, a cada desespero por mais um suspiro oxigenado, a cada ânsia por mais uma gota açucarada do café que nos mantém acordados, a cada parafuso devidamente apertado nas nossas fábricas de pensamentos. Sim, caro leitor, sobrevivemos dia após dia agonizando em noites mal dormidas pelas frustrações a que somos constantemente submetidos.

Hoje minha pele reluz a acidez da minha língua, e a impiedade de minha mente, sufocando a compaixão da minha alma pela tua. Hoje não é dia para padecer, caro leitor, hoje é dia para comemorar. Comemore comigo, ou com teu vizinho. Hoje minhas mãos engasgam tua cerveja, hoje meus dedos estrangulam teus pesadelos, hoje esmigalho teu pão sem manteiga para nada oferecer em troca.

Hoje eu pinto de branco as paredes do meu quarto e aguardo a combinação de sombras e luzes do sol para preenchê-la com a cor da minha esperança que resta intocada ainda, creio eu que as paredes do meu quarto se movem a seu bel prazer, aumentando e diminuindo meu espaço conforme acham necessário, e não conforme meu conforto.  E assim, espremida por todos os cantos, a minha voz se liberta e permeia os ventos do mundo.

E hoje, minha voz flutuando pelos sete ventos dos mares, meus dedos apertando a garganta do meu superego, me sinto vencida pela vida... E hoje, apesar das agulhas que me costuram os lábios, saboreio o gosto da vitória e finalmente durmo abandonada pelas frustrações.


Bons sonhos, caro leitor.