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segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Alusões

A calefação do corpo, proporcionada pelas próprias células em seu metabolismo automatizado, insistência desproporcional, é descabimento de sentido. O calor propaga e contamina, infectando de ilusões os corpos almados de efemeridade, é a cruz e o carma, foi luz e será farda. As botas são apenas metáfora, não há proteção contra o lodo, e nem deve haver; nossos vermes são os instintos, que nos puxam da realidade como se isso nos isentasse de presenciá-la.

A verdade é desesperadoramente cruel: não há salvação quando esta se reside na impotência do ato de ser. Os sentidos não revelam a realidade, Horácio, negá-los tampouco. Acontece, Horácio, que Shakespeare foi o maior dos filósofos ao resumir a tragédia a um fim unânime; ainda assim é chocante sabê-la como próprio destino.

E tudo culmina num só encanto, numa só finalidade; a cátedra e o canto corroem-se pela própria enfermidade. É a praga que se alastra ou a maldição que termina? Eis a pergunta da humanidade, a causa das guerras, mãe do egoísmo, a vítima e o algoz personificados num só, diferenciados pelo ângulo somente (esquerdo e direito).

E o que resta, os restos de uma vida inteira de memórias, até parecem serem feitas para o esquecimento. Esquecidas, não, roubadas das próprias entranhas cujo único propósito é despejá-las no depósito da história da humanidade, que fica no centro da Terra, devidamente carbonizadas, desidratadas de todo soro fisiológico, sangue e pele. O último suspiro equivale a um último pensamento cacófato: o rato roeu a roupa do rei de Roma, mas era só um rato e uma roupa.

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