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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Carta e brinde

Minha bula foi minha guilhotina, é o fato. As horas não contadas no relógio, mas que eu vi passar, cada uma se arrastando mais que a outra, como se ainda me dessem a oportunidade de eu repor o tempo perdido; as horas não contadas no relógio levaram de mim um pouco de cada expectativa de esperança. Sim, sim, senhoras e senhores, eu escolhi a pior das trincheiras, a mais úmida e quente, meus pés não puderam sentir a frieza do chão, só as narinas apalparam a flatulência exalada pelos canhões adversários. Há pólvora no ar.

Senhoras e senhores, minha vida é um show, um show a que ninguém deveria assistir, que eu deveria estar solitariamente no palco, ensaiando meu monólogo eternamente, ou não tão eternamente, apenas o suficiente para no momento em que eu criar coragem em abrir o espetáculo ao público, cair desfalecida num cartaz qualquer. Uma recordação para alguém.

Mas é como digo, se o devido fosse impossível de não cumprimento, qual a graça da vida?

Sabeis bem, meus futuros filhos, que vós sois minha prole, meu legado ao mundo. Vós sois minha continuação arbitral, um mero braço que aos poucos fazeis de corpo inteiro, e ainda vos fareis de clones, e relegareis vossos próprios braços ao mundo que sobrevirá a nós todos. Uma espiral do terror.

Não me entendem, senhoras e senhores? Não me importa mais, para bom entendedor, meia letra basta, porque as palavras se completam, e as feições corporais também. Meus olhos jamais mentiram para ninguém, mas não me responsabilizem, por favor, se os induzi a erro. Não é minha culpa se acreditam nas falácias que crio em meu canteiro. Há apenas o horizonte a minha vista, mas eu o olho verticalmente.

Adeus, meus amores.
Maria Antonieta

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