E a cada espelho me enxergo diferente, ora mais econômica,
ora maior. Assim como minha imaginação, ora águia, ora pardal. Mas sempre
criando por aí, sonhando, desenhando belos olhos num pedaço de papel. E por
esses olhos que desenho que enxergo o mundo, do outro lado do espelho, e vejo o
mundo em cores inexistentes no mundo real, cuja frequência é imperceptível ao
cérebro humano. Mas apenas visualmente imperceptíveis, dado que no lado real do
espelho se percebe o tato e o olfato, apenas com outros sentidos.
Desta forma somos reflexos de nossas percepções, dos nossos
sentidos e dos nossos sentimentos. E somos espelhados, frutos de tais reflexos,
nas ações e nas palavras que cotidianamente exprimimos um pouco mais a cada
dia. E somos reféns, das consequências das ações e das promessas ditas em razão
dos tais reflexos. Escolhas feitas de forma intensa e sob circunstâncias
únicas, visando tornarmos reféns de uma situação pretendida há muito.
Por assim, torna-se refém da própria liberdade, antes uma
imposição, mas agora uma escolha. A liberdade consiste nas escolhas. E hoje em
dia podemos escolher tudo, o que dizer, o que comprar, para onde ir, e para
qual espelho olhar. A língua italiana
tem um verbo fabuloso, specchiare,
que significa exatamente se olhar no espelho. E eu me specchio
todos os dias, apreciando as mudanças que causei, e me deleitando com a
coautoria do meu próprio reflexo.
E o que é real? E o que é imaginário? Já não posso mais
dizer, ambos planos se fundiram, formando um mundo só, o meu. Procuro com
delicadeza aprender a distinguir o que existe daquilo que criei, e sigo como
Ismália.
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