Minhas
lembranças acumuladas me animam o corpo, forçam meus músculos à contração, à
distração e a concentração. Concentro-me em ti, em mim, e no mundo.
Concentro-me no ambiente do qual escapo agora, e do qual (ao mesmo tempo)
me agarro.
Minhas fibras
musculares deslizam com facilidade pelas metáforas que crio, pelas imagens sinestésicas que descrevo, sentindo no
cheiro a tua pele, tateando as cores do teu cabelo, observando com calma a tua
voz. Meus sentidos se misturam e nada percebo como se tudo fosse.
Traciono minhas
memórias tentando infrutiferamente te reconstruir na minha íris, dentro do box
do chuveiro, dentro do cheiro do meu sabonete. E eu me arranho, cavo minhas
unhas arrancando a derme que me cobre, arrancando os pelos que me eriçam, sou
carne e sangue para mostrar. Sou a carne tenra que enche a boca das feras todas
as noites, alimento dos lobos selvagens.
É assim que me
vê todas as noites, sem pele e com sangue escorrendo. Meus músculos e tendões
expostos, meu coração e meu fígado expostos, meus ossos e meus pulmões
expostos. É assim que me sirvo aos lobos selvagens, é assim que alimento aos
meus.
Foi assim que
quis aparecer todas as noites, sem armadura e com lágrimas nos olhos. Meus
desejos e vontades expostos, meus sentimentos e emoções expostos, minhas
estruturas e fôlego expostos. Foi assim que resolvi encarar o mundo, foi assim
que resolvi cuidar de quem amo.
Sou uma
marionete, um Pinòcchio desejando ser menino de verdade, mas não tenho cordas.
Tenho história, passado e futuro. Meus movimentos foram milimetricamente
calculados, e ainda assim saí da rota planejada. Ah, essas marionetes que
desejam sem meninas de verdade! Ah,
essas marionetes que pensam ter vontade própria e mudam seu destino sem sequer
perceber.
E como toda boa
poeta inconsequentemente escrevi meu futuro num rascunho de papelão, o qual
delicadamente contorci para dentro de uma garrafa e lancei ao mar, na esperança
de que alguém a apanhasse e se compadecesse de mim.
E agora, poeta?
Responde-me que fará com meu rascunho. Meus olhos se cerram por hoje, mas
abrirão e lerão meu papelão de rascunho com calma quando terminar.
0 comentários:
Postar um comentário