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sábado, 10 de janeiro de 2009

Ahasverus

De Ícaro me fiz para poder voar, pena que eu esqueci que minhas asas eram de cera... Importa mesmo é que eu voei, mesmo que o tombo tenha sido maior que a queda. Louco que fui de ter me tacado do penhasco, sem ter pensado primeiro nem pensado depois.

Estão achando que eu morri, não? Se assim fosse quem estaria contando essa história? Só se mata quem tem medo de morrer. Eu tenho medo é de viver.

E tendo medo de viver o que eu não queria eu vivia o que eu queria. Eu acho. Quando não se tem certeza de nada a gente acha até que não é mais gente. E então? Sobrou algo afinal?

Sobrei, na verdade nem isso. O que sobrou foi meu corpo atado ao chão com cordas invisíveis aos olhos, as mesmas cordas que apertavam e sufocavam meu coração. Eu não queria morrer ao final, eu só queria deixar de viver aquilo que eu queria, para viver algo real, e a única coisa real que me sobrou foi a tristeza do meu enterro.

Tristeza? Há-há... meu enterro teria sido triste se alguém tivesse ido para sentir a tristeza, mas nem os corvos apareceram. Nem os corvos. Só vermes, mas isso foi depois do enterro, bem depois.

Nasci no meu salto para o fim. Não tem sentido? Como não? Eu não tinha vida antes disso. Eu era só no mundo. O último homem a deixar sua pegada no mundo. O último a sentir o gosto da terra na boca. Não tenho mãe, nem nunca tive. Fez falta?

Como posso saber se uma mãe faz falta? Só sabendo como é uma mãe e o que ela faz. Eu nem sei... Não sei nem quem eu sou, o meu nome, quanto mais o que é uma mãe. Queria mesmo ter asas de mel para grudar-me nas nuvens e ficar voando o resto da vida, morrer devagar e aproveitar mais. Mas não foi assim, minhas asas eram de cera.

Agora é tarde para arrependimentos.

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